sábado, 15 de outubro de 2011

Aprender é quase tão lindo quanto brincar - Alícia Fernandez

“Jogar é arriscar-se a fazer do sonho um texto visível”
Heli Morales Ascencio

“Aprender é arriscar-se a fazer dos sonhos textos possíveis”
Alicia Fernández

“Por que falas em curar quando, muitas vezes, basta acompanhar um ser no seu desamparo?
Maud Mannoni

“Aprender é quase tão lindo quanto brincar”
Lucía, 3 anos

APRENDER É QUASE TÃO LINDO QUANTO BRINCAR

Começarei dando a palavra a duas meninas.
Trata-se de um diálogo que escutei há tempos. As meninas conversam entre elas. Sem a interferência de nenhum adulto, viram-se na necessidade de explicar o que quer dizer “aprender”. A que se refere o verbo aprender, o qual se introduz entre outro verbo que costuma ser ir, querer, ou desejar e o objeto do conhecimento? Quando dizemos: “Quero aprender computação”, ou “Desejo estudar inglês”, ou “Vou aprender matemática”, que relação se estabelece entre o querer e a computação, entre o ir e a matemática, ou entre o desejar e o inglês?
– Vou aprender a nadar – diz Silvina com a alegria de seus seis anos recém-feitos.
– Vai nadar?– intervém a irmã, três anos mais jovem.
– Não, vou aprender a nadar.
– Eu também vou brincar na piscina.
– Não é o mesmo. Eu vou aprender a nadar, diz Silvina.
– O que é aprender?
– Aprender é... como quando papai me ensinou a andar de bicicleta. Eu queria muito andar de bicicleta. Então... papai me deu uma bici... menor do que a dele. Me ajudou a subir. A bici sozinha cai, tem que
segurar andando...
– Eu fico com medo de andar sem rodinhas.
– Dá um pouco de medo, mas papai segura a bici. Ele não subiu na sua bicicleta grande e disse “assim se anda de bici”... não, ele ficou correndo ao meu lado sempre segurando a bici... muitos dias e, de repente,
sem que eu me desse conta disso, soltou a bici e seguiu correndo ao meu lado. Então, eu disse: Ah! Aprendi!
Uma mulher que escutava a conversa de longe não pôde deixar de ver a alegria com que foi pronunciado “aprender”, que se transfere para o corpo da mais moça e surge no brilho do seus olhos.
– Ah! Aprender é quase tão lindo quanto brincar – respondeu.
– Sabe, papai não fez como na escola. Ele não disse “Hoje é o dia de aprender a andar de bicicleta”. Primeira lição: andar direito. Segunda lição: andar rápido. Terceira lição: dobrar. Não tinha um boletim onde
anotar: muito bem, excelente, regular... porque, se tivesse sido assim, não sei, algo nos meus pulmões, no meu estômago, no coração não me deixaria aprender.
A mulher, uma psicopedagoga que presenciava a cena, nunca havia escutado, nem lido, nem conseguido escrever uma explicação tão acertada do ato de ensinar e aprender, que hoje quer compartilhar algo do que essas meninas permitiram-lhe pensar.

ENSINANTES
“Papai me ensinou – Eu aprendi”
Ensinar e aprender estão imbricados; logo, não se pode pensar em um se não está em relação com o outro, mas, para explicar o que é aprender, Silvina necessitou nomear primeiro quem ensina. Nesse caso, o papai é a pessoa ensinante. A modalidade de seu pai, a posição que assumia ao ensinar, como pensava sobre si mesmo, a confiança que podia ter nele para ensinar, a importância que dava ao ensinado, assim como o que esperava de sua filha, a confiança que nela depositava em relação ao que poderia aprender, a alegria e o
prazer que a ele proporcionava estar com sua filha naquela atividade, tudo isso conformava o terreno onde sua filha iria aprender.
Por isso, Silvina disse “quando papai me ensinou”, o que é diferente de dizer “quando eu aprendi”, formulação com a qual se conclui toda a aprendizagem.
Para chegar a “eu aprendi”, precisou partir de “ele me ensinou”. Nosso idioma permite ver como a formulação “eu o aprendi” (a ele) é impossível. Se ele me ensina (a mim), eu não o aprendo (a ele).
Entre o ensinante e o aprendente abre-se um campo de diferenças onde se situa o prazer de aprender. O ensinante entrega algo, mas para poder apropriar-se daquilo o aprendente necessita inventá-lo de novo. É uma experiência de alegria, que facilita ou perturba, conforme se posiciona o ensinante.
Ensinantes são os pais, os irmãos, os tios, os avós e demais integrantes da família, como também os professores, as professoras e os companheiros na escola. Ainda que os objetos ou as máquinas possam chegar a ter uma função ensinante, a pessoa ensinante, com todas as suas características singulares,
além de suas qualidades pedagógicas, é prioritária, já que mais importante do que o conteúdo ensinado é certo molde relacional que se vai imprimindo na subjetividade do aprendente.
Para que a menina pudesse apropriar-se do prazer da autoria, foi preciso que um ensinante a investisse da possibilidade de ser aprendente e da autorização de um lugar de sujeito pensante.
O caráter subjetivo da aprendizagem muitas vezes é esquecido; certos professores e pais pretendem  espertar o desejo de aprender de seus alunos e filhos, apelando para “estudar é necessário para se obter um bom trabalho”, “para ganhar dinheiro” ou “para ser reconhecido socialmente”. Assim, desmente-se o que, lamentavelmente, a sociedade atual oferece e, o que é mais grave, desvirtua-se o ato e o objeto de prender, deixando muitas crianças e adolescentes fora da possibilidade de reconhecer seu próprio desejo de aprender.
Mais do que ensinar (mostrar) conteúdos de conhecimentos, ser ensinante significa abrir um espaço para aprender. Espaço objetivo-subjetivo em que se realizam dois trabalhos simultâneos:
a) construção de conhecimentos;
b) construção de si mesmo, como sujeito criativo e pensante.
Os pais e os professores, como primeiros ensinantes, podem nutrir e produzir nas crianças esses espaços, nos quais o aprender é construtor de autoria de pensamento, ou ainda perturbá-los e até destruí-los.
A partir de seu pai, Silvina mostra-nos que o ensinante é alguém que crê e quer que o aprendente aprenda.
Os verbos querer e crer se inter-relacionam com outro: criar. Em castelhano, eu creio serve para conjugar o presente indicativo de dois verbos diferentes: crer e criar.*
O pai de Silvina necessitava crer e querer que sua filha aprendesse a andar de bicicleta e, nesse momento, seriam criadas as condições para que a menina pudesse aprender e ele ensinar.
Se um menino ou uma menina aprende a caminhar não é porque tenha pernas, mas porque seus pais desejam que ele/ela caminhe e o/a consideram capaz de caminhar. Quando nossos filhos caminham sozinhos, podem até “escapar” e ir para onde não podemos controlá-los; no entanto, mesmo sabendo disso,  ontinuamos desejando que aprendam. Antecipamos que deixarão de necessitar de nós, que não precisarão mais que os levemos no colo e, ainda assim, promovemos a aprendizagem de caminhar. Isso quer dizer que ensinamos nosso filho a caminhar.
A aptidão para falar apóia-se em um aparelho fonador sadio, mas, para aprender a falar (destaco o termo aprender como construtor não só do objeto aprendido, mas também do sujeito), a criança precisa de adultos que a considerem um semelhante capaz de falar e entender, mesmo quando somente vocalize. Tais adultos ensinantes desejam que a criança aprendente fale, inclusive antecipando que, quando aprender a falar, poderá discutir suas indicações e até mostrar oposição à idéia de outros.
Ensinamos, e isso é prioritário, mas a criança aprende sozinha: nesse aparente paradoxo está a chave de todo o processo saudável de aprendizagem.
Já estamos percebendo como vão se inter-relacionando o aprender e os processos de diferenciação, do mesmo modo que ensinar e favorecer (suportar) que o aprendente não necessite mais de nós.
*N. de T. Creer equivale a “crer”; crear equivale a “criar”; yo creo equivale tanto a “eu creio” como a “eu crio”.

Aquilo que assinalávamos em relação ao pai e à mãe como ensinantes pode estender-se aos professores.
Embora os professores precisem possuir informação, sua função principal não é transmiti-la, mas propiciar ferramentas e espaço adequado (lúdico) onde seja possível a construção do conhecimento.
Ao ter um papel fundamental como ensinantes, eles também têm um papel como agentes subjetivantes. Podem intervir solidificando aspectos patógenos que vêm da família da criança ou, pelo contrário, propiciando movimentos saudáveis.
O estilo da modalidade ensinante dos professores permanecerá ao longo da vida de seus alunos como possibilidade de se auto-reconhecerem como seres pensantes e autores de sua história.

O DESEJAR E A CORPOREIDADE NA APRENDIZAGEM

“Eu queria muito aprender”
O que Silvina recorda primeiro sobre si mesma quando precisa definir o aprender? A vontade* de andar de bicicleta, o desejar, a energia desejante é muito mais que o motor do aprender: é o terreno onde se nutre.
É a “vontade” de andar de bicicleta, e não de aprender a andar de bicicleta.
O aprender introduz-se entre a vontade e o andar. Sem dúvida, não é um simples meio nem uma técnica para conseguir fazer alguma coisa.
Diferentemente de respirar ou de outra função orgânica que vem programada de modo instintivo, andar de bicicleta, assim como caminhar, escrever e os demais conhecimentos requerem uma aprendizagem. É precisamente por isso que os processos de aprendizagem são construtores de autoria. O essencial do aprender é que ao mesmo tempo se constrói o próprio sujeito.
Qual é o plus que o aprender outorga? Algo mais profundo, subjetivante (além do esquecimento do conteúdo aprendido) permanece e transporta-se para todo o acionar do sujeito aprendente: é o prazer de dominar... a bicicleta, instrumento-lápis-escrita-conhecimento. Prazer de dirigir, de ter autonomia,
prazer de superar os limites de velocidade que o organismo permite, prazer de transcender o tempo e o espaço. Prazer de mover-se sobre a terra sem pisála.
Prazer de apropriar-se de sua autoria produtiva. O jogar, o aprender e o trabalho criativo nutrem-se da mesma seiva e apropriam-se do mesmo saber-sabor.

*N. de T. Em castelhano, foi utilizada a palavra ganas, que significa um forte desejo, uma boa
disposição para fazer algo. Como não é usual em nosso cotidiano, optamos por utilizar o termo
“vontade”.

Assim, para que “a vontade de andar de bicicleta” possa operar outorgando à tarefa de andar de bicicleta a passionalidade lúdica, o excedente de alegria, a “experiência de vivência de satisfação”, a experiência de realização subjetiva requerem que o ensinante se abstenha de impor ao aprender um fim utilitário.
O desejo de andar de bicicleta não se presentificou porque a menina precisava ir mais rápido comprar pão, nem porque tinha que triunfar em uma corrida de bicicletas, nem, menos ainda, porque o pai desejava algum desses fins utilitários.
O andar de bicicleta não era o objetivo máximo, mas somente o pretexto para poder desfrutar a alegria compartilhada, o jogar com a autoria de aprender e ensinar.
A palavra “vontade” que utiliza Silvina ao dizer “eu tinha vontade de andar...”, no idioma castelhano, remete-nos ao corpo e ao desejo.
A aprendizagem é dramatizada no corpo a partir da experiência de prazer pela autoria: ser autor do ato de ensinar e de aprender.

O QUE ENTREGA O ENSINANTE

“Papai me deu uma bici menor do que a dele”
O ensinante entrega a ferramenta (bicicleta), não oferece diretamente o conhecimento (andar). Por outro lado, a ferramenta que entrega não é a mesma que ele utiliza.
Em muitas escolas, os professores atuam com a intenção de que as crianças aprendam usando a “bicicleta” (as ferramentas conceituais) de tamanho  igual à do professor ou o professor usando a “bicicleta” das crianças; porém, isso é igualmente impossível, eles andando em bicicletas pequenas, ou seja, infantilizando-se, o que é um outro modo de não respeitar a criança.
O pai de Silvina não subiu em sua bicicleta grande, dizendo: “Olha, filha, como eu ando e assim aprenderá a andar de bici”. Supostamente, ele teria que saber andar de bicicleta para poder ensinar sua filha; no entanto, quando o faz, corre ao lado da menina.
Com efeito, não pediu a Silvina “preste atenção”.7 Caso se tratasse de prestar atenção, o pedido seria o de que prestasse atenção nela, em seu desejo de andar de bicicleta e ver como estava fazendo. Também não mandou que ela se sentasse, dizendo: “Preste atenção, Silvina. Assim se anda de bicicleta”, nem depois deu voltas com sua enorme bicicleta frente a seus olhos espantados:
“Não se mexa, Silvina, amanhã você vai andar e eu vou sentar para lhe dizer se está fazendo certo”.
Quantas supostas patologias que se impõem à criança e que levam nomes enigmáticos, tais como ADD ou ADHD, não são mais do que déficits de atenção dos próprios estudiosos das necessidades das crianças.

COMO ENTREGA O ENSINANTE

“Papai me deu uma bici menor do que a dele. Me ajudou a subir. A bici sozinha, cai; tem que segurá-la andando. Papai segurava a bicicleta”
O pai de Silvina sustentava a bicicleta-instrumento-conhecimento-processo-construtivo. Não segurava a menina pela cintura, nem pelas pernas, menos ainda pela cabeça. Assim, facilitou a apropriação da autoria.
É claro que, para que o ensinante sustente a bicicleta (ferramenta-conceito-construção de conhecimento-espaço criativo-espaço de aprendizagem), e não a criança pelo corpo, ele precisa saber neutralizar a importância da sua figura e, para isso, precisa também estar medianamente seguro de si mesmo e ter seus próprios projetos. Ou seja, não depender de seu aprendente ou do êxito de seu aprendente para sentir-se feliz.

O LUGAR DAS TÉCNICAS

“A bici sozinha cai; tem que segurá-la andando”
Os métodos, a técnica, os diferentes procedimentos pedagógicos e psicopedagógicos “sozinhos caem”; é preciso segurá-los andando”, como a bicicleta.
O pai de Silvina não fazia o mesmo que sua filha, nem a observava passivamente.
Ele corria a seu lado. Se a bicicleta caísse, cairiam os dois. É neste lugar que se encontram o aprendente e o ensinante: no terreno de risco, no desafio de ensinar e aprender. Caso a bicicleta cambaleasse ao passar por
um buraco ou uma pedra, ambos, ensinante e aprendente, necessitariam responsabilizar-se pelo fato. A responsabilidade compartilhada exime a imposição de culpas expulsivas ou imobilizantes. A culpabilização do aluno ou do professor é um desvio que impede a chegada à necessária responsabilidade.
Às vezes, os professores fazem tentativas para que seus alunos aprendam colocando-os em uma competição. Exigem que seus alunos aprendam em meio a uma corrida, com o perigo ou de perder, ou de ficar fora, ou com a obrigação exitosa de chegar primeiro. Se o pai de Silvina a tivesse ensinado no transcorrer de uma competição ciclística, nada teria conseguido. A escola, transformada em um campo de treinamento e competição, é produtora de neurose.

O LUGAR DO DESAFIO NA APRENDIZAGEM

“Me dá medo andar sem rodinhas”
Em toda aprendizagem, põe-se em jogo certa cota de temor, o qual nem sempre deve ser associado ao medo de mudança, mas aceito como próprio do encontro com a responsabilidade que a autoria supõe.
O desafio com o encontro do novo e com o fazer-se responsável por tê-lo procurado é inerente à aprendizagem. O desejo costuma estar vestido com a roupagem do medo.
Por outro lado, a culpa (inconsciente) por conhecer (Fernández, 1994) só pode ser elaborada e superada a partir da responsabilidade. Fazer-me responsável por aquilo que conheço e responder por isso.
Quando outro dirige meu andar, não me perguntará porque escolhi esse caminho. Se escolho e até construo meu próprio caminho ao andar, necessitarei explicar e explicar-me o porquê.
O desejo de conhecer (a pulsão epistemofílica) supõe o contato com a carência, com a saída da  nipotência. Alguns problemas de aprendizagem têm sua ancoragem em certa dificuldade para conectar-se com a própria carência, com a fragilidade humana. Uma sociedade que tende a endeusar crianças e jovens pode provocar problemas de aprendizagem ao esperar, paradoxalmente, tudo deles, retirando-lhes a responsabilidade que a autoria supõe. 

ALEGRIA DA DESCOBERTA DA AUTORIA

Silvina começou a explicação sobre o aprender dizendo “Papai me ensinou” e finalizando com a frase “Eu aprendi”. Começa com a terceira pessoa e finaliza com a primeira. Assim é. Ele ou ela me ensina, e eu aprendo. Eu não “sou ensinado”, nem ele “me faz aprender”.
Entre ensinar e aprender abre-se um espaço. Um campo de autorias, de diferenças. Aprender é a-prender, ou seja, não-prender. Des-prender e desprender-se.
A riqueza dessa diferença obriga-nos a pensar em pelo menos quatro questões:
a) uma prova de que o ensinante ensinou é quando o aprendente não continua necessitando dele;
b) para aprender requer-se um quantum de liberdade;
c) a liberdade supõe responsabilidade, a qual anda junto com a autoria;
d) os pais e os professores, como ensinantes, para poder ensinar, precisam alimentar seu próprio desejo de aprender, já que o desejo genuíno de ensinar só pode considerar-se como um derivado do desejo de aprender. Aqui se situa uma questão importante, que é ter em conta que o ensinar não deslize até o seduzir.

OS ESPAÇOS DE BRINCAR, DE JOGAR, DE APRENDER E DE TRABALHAR

“Aprender é quase tão lindo quanto brincar...
mas não é o mesmo”

Ante o desafio de responder o que é aprender, Silvina primeiro pensa, enuncia e nomeia a figura ensinante: o papai. Necessita pensar em quem lhe ensinou. Assim, ao final, ela diz “Aprendi”, e agora então não é “me ensinou”.
Isso que parece simples é muito profundo e faz parte de um dos desafios do trabalho subjetivo que aquele que se coloca no lugar de professor necessita realizar. O trabalho subjetivo supõe oferecer-se como objeto transicional: este ursinho de pelúcia, esta mantinha, esta voz da mãe ou do pai contando um conto ao filho, tudo isso é o que a criança guardará como um brinquedo para dormir. O objeto que a mãe dá, porém, o filho tem não porque a mãe o dá, e sim porque o filho o constrói. O ursinho de pelúcia é o trabalho de construção que a criança faz sobre o ursinho. Se o ursinho está sujo e a mamãe o lava, o bebê o rechaça. (Para a mamãe é o mesmo ursinho, só que limpo, mas não o é para o nenê, porque se perdeu algo das marcas do uso.) O ursinho guarda a história da relação do bebê com ele. O ursinho guarda o trabalho de fazer do objeto: um brinquedo. Trabalho no sentido criativo da palavra.
Ser ensinante é poder fazer o trabalho subjetivo de aceitar que, tal como um objeto transicional, a prova de que fomos úteis está em que o aprendente não necessita mais de nós. O ursinho de pelúcia não serviu quando tinha dois anos se, agora que tem 15 ou 25 anos, continua precisando dele para dormir.
Se continua precisando, não lhe serviu quando era pequeno; por isso, precisa tê-lo sempre a seu lado para poder descansar. Ao contrário, se essa pessoa se esqueceu do ursinho, se não necessita mais dele, se pode descansar sem ele, quer dizer que o ursinho foi útil.
O lugar do ensinante tem muito a ver com isso. Silvina necessita nomear o papai para poder começar a explicar o que é aprender; no entanto, para finalizar a explicação, já não precisa falar da figura do ensinante e não diz “me ensinou”, mas diz “eu aprendi”. Começa com “papai me ensinou”, dando-lhe certo protagonismo, e finaliza com “eu aprendi”, com a alegria da apropriação, do próprio fazer e da autoria.
Voltemos a Silvina e a sua irmãzinha que, para explicar o aprender, precisaram diferenciá-lo do brincar para logo se referir a ele. Ou seja: sendo o espaço de aprender o mesmo do espaço de brincar, brincar não é o mesmo que aprender.
Brincar é descobrir as bondades da linguagem; é inventar novas histórias, é assistir à possibilidade humana de criar novos pulsares, e isso é maravilhosamente prazeroso. Brincar é pôr a galopar as palavras, as mãos e os sonhos.
Brincar é sonhar acordado; ainda mais: é arriscar-se a fazer do sonho um texto visível. Um grande obstáculo para instrumentalizar um programa educativo em que a criança e seus jogos estejam no centro é a  dificuldade que têm os professores para jogar. (Morales Ascencio, n.3, 1995).
As belíssimas palavras transcritas são de Morales Ascencio referindo-se ao brincar. A partir delas, tentarei mostrar como, dividindo um mesmo espaço, brincar e aprender processam-se diferenciadamente.
Aprender é apropriar-se da linguagem; é historiar-se, recordar o passado para despertar-se ao futuro; é deixar-se surpreender pelo já conhecido. Aprender é reconhecer-se, admitir-se. Crer e criar. Arriscar-se a fazer dos sonhos textos visíveis e possíveis. Só será possível que os professores possam gerar espaços de brincar-aprender para seus alunos quando eles simultaneamente os construíram para si mesmos.
Brincando descobre-se a riqueza da linguagem; aprendendo vamos apropriando-nos dela.
Brincando inventamos novas histórias; o aprendizado permite historiarnos, ser nossos próprios biógrafos, “construir-se um passado para projetar-se o futuro”.
Jogar é pôr a galopar as palavras, as mãos e os sonhos. Sonhar acordado, fazer dos sonhos textos visíveis.
Aprender é reconhecer-se, crer no que creio e criar o que creio. Arriscar-se a fazer dos sonhos textos isíveis e possíveis. Sendo assim, podemos definir  o pensar como aquela capacidade humana de fazer possível o provável, a partir de fazer provável o desejado.
Poder ser um professor “suficientemente bom” não se consegue com técnica ou com cursos. Requer um trabalho constante consigo mesmo para construir uma postura, um posicionamento como aprendente, o qual resultará em modos de ensinar. Um bom ensinante é um bom aprendente. A difícil tarefa do professor ou da professora pode tornar-se prazerosa quando almeja fazer consigo mesmo o que propicia aos outros.
O marketing do produto rápido e do êxito fácil fere o valor da autoria e do processo. A escola, sendo o lugar onde alunas e alunos encontram-se com adultos investidos do poder de ensinar, pode possibilitar a potência criativa do brincar e do aprender da criança. Isso somente se consegue com ensinantes que  desfrutem  o aprender, o brincar com as idéias e as palavras, com o sentido do humor, com as perguntas de seus alunos. Que não se obriguem à urgência de dar respostas certas; ao contrário, que consigam construir novas perguntas a partir das perguntas de seus alunos.
Ricardo Rodulfo considera que uma das tarefas psicológicas decisivas o adolescente é produzir a  metamorfose do essencial do brincar infantil no trabalhar adulto. A chave dessa mutação reside em que o desejo inconsciente migre de um campo ao outro e invista profundamente no trabalho tal como vinha fazendo com o brincar.
A partir desse aporte, que é útil tanto para pensar a adolescência e o jogar como para definir um posicionamento quanto ao trabalhar, continuo minha reflexão e acrescento que necessitamos incluir no aprender aquela zona de encontro e passagem que possibilita o translado de um campo ao outro. Na
adolescência, tal passagem do jogar ao trabalhar poderá ser facilitada na medida em que foi sendo construído durante a infância um espaço de aprendizagem incluído; porém, ao mesmo tempo, diferenciado do espaço de jogar.
Esses vínculos de passagem entre jogar e trabalhar, na adolescência, podem perturbar-se, gerando dificuldades no estudo, o que entendo como trabalho de aprender ou como a responsabilidade que todo trabalho supõe. Às vezes, essas dificuldades que o adolescente começa a mostrar refletem algo
não-resolvido em sua infância quanto à instalação de um espaço subjetivo de aprendizagem “entre” o jogar e o trabalhar.
Toda aprendizagem requer um posicionamento que supõe a aceitação dos limites de nosso organismo e as leis da física, assim como a inclusão de um como fazer ensinado por outro. A aceitação desse como fazer limita a urgência do desejar fazer agora, marcando uma das diferenças entre o jogar e o aprender.
Outras diferenças são produzidas a partir do modo de apresentar-se do outro, assim como o modo de trabalhar com os limites do organismo e com o “como fazer”.
O modo de situar-se ante a demanda do outro ocasiona diferenças no aprender e no trabalhar.
A escola, espaço de necessário exílio do território da infância familiar, muitas vezes funciona como lugar de “desterro”, carregado de amargura, solenidades e rituais obstrutores do jogar e do aprender de professores e alunos.
Essa situação ocorre quando a instituição educativa não qualifica o fazer ensinante como um trabalho, nem o espaço escolar como um espaço de aprendizagem criativo, fazendo com que os professores não se permitam investir libidinalmente seu trabalho (ensinar) na passionalidade do jogar (aprender).
Mesmo quando a instituição não oportuniza que se realize o translado do jogar (aprender) ao trabalhar (ensinar), cada professora ou cada professor pode fazê-lo por si mesma(o).
Todo autorizar-se é sempre uma tarefa que requer certo desafio ao que está instituído.
A professora que não realiza esse necessário translado submete-se aos mitos que lhe impõe o lugar de “segunda mãe” ou “tia”, aderindo o ser mulher a ser mãe, e o ser mãe a ser professora, ficando fora de um lugar profissional (Fernández, 1994). Escapa assim do lugar ensinante, infantilizando-se, assexuando-se, mimetisando-se com as crianças sem autorizar-se e assumirse como profissional.
O professor que não consegue desafiar esses mandatos submete-se a mitos que equivalem a ensinar com feminilidade, assexuando-se, hibridizando-se.* Ao contrário, quando o homem consegue trabalhar adequadamente com sua masculinidade, poderá permitir que apareça o ensinante há tantos séculos
nele sepultado.
Sabemos que esta é uma tarefa difícil, pois o sistema educativo em que o professor e a professora estão inseridos como docentes tende a desacreditar o valor da autoria: seja pela força dos meios de comunicação, com sua modalidade ensinante cada vez mais exibicionista e propiciadora do consumismo de informações; seja pela imposição e exigência de êxito, de produto, já suportado por esses professores quando eram meninas ou meninos – alunos.
Por outro lado, os setores de poder consideram e definem cada vez mais o trabalho docente como  doméstico, sem considerar o seu valor produtivo, o que o torna invisível.
Muitas mulheres ainda hoje são submetidas a mitos que as obrigam a fazer seu pensamento invisível. As mulheres que entram no campo de trabalho em outras áreas também sofrem esses mandatos; todavia, quando a mulher é professora, isso se potencializa. O trabalho docente, tal como a tarefa da dona de casa (ainda no presente majoritariamente vinculado às mulheres), torna-se invisível: só é visto quando não é cumprido. Pode-se reclamar sua ausência, mas não se reconhece sua presença.
Não obstante, os salários que recebem as professoras e os professores em países latino-americanos são tão baixos que não só denunciam o valor que a maioria dos governos dá a educação, como também, se o professor não se reposiciona, tem um efeito desqualificante para sua subjetividade como pessoa e da pessoa como profissional.
O professor e a professora têm, então, diante de si um desafio de transformação difícil que, por sua vez, é sumamente gratificante.
Por que é difícil? Pela força institucional que:
– segrega, “secreta” todas as diferenças, considerando-as como deficiências ou “preferências”;
– toma as diferenças de gênero sexual como estereotipias;
– impõe, com certeza, a omissão de gênero em docentes e alunos, anulando, assim, sua corporeidade;

*N. de T. Híbrido: resultante do cruzamento de espécies diferentes. No caso, a autora utiliza tal
termo no sentido de que esse cruzamento torna-se infecundo para gerar novas coisas.


– situa a mulher-professora em um lugar paradoxal de “moça virgem e mãe” e aos homens costuma designar funções de mando, ou colocá-los em um lugar excludente de professores de educação física, ou
considerá-los afeminados se eles, com coragem, decidem ensinar nos primeiros níveis da educação formal;
– considera, de forma dicotomizada, emotividade-pasividade-dedicaçãoorganização como características femininas e atividade-agressividade-rapidez-vivacidade-concisão como características masculinas.
Por que é gratificante? Porque, na medida em que consiga modificar-se como docente, estenderá os benefícios a todo seu acionar humano.
Cada professor e cada professora podem realizar um movimento expulsivo a esses mandatos autorizando-se, assim, em seu lugar ensinante, o caráter de trabalho, de profissão pública. A busca da visibilidade de seu fazer não deve ser procurada nos produtos que os alunos apresentem como resultados imediatos.
Muitos professores e muitas professoras não conseguem olhar seus alunos, porque não conseguem olhar para si mesmos.

AVALIAR A QUEM? AVALIAR O QUÊ?
“Papai não tinha um boletim ...Papai corria ao meu lado”
A avaliação não deve dirigir-se ao aluno. A avaliação precisa situar-se como uma análise do processo construtivo do aluno e do professor.
Isso somente ocorrerá à medida que a professora e o professor puderem dar a seus próprios erros um valor construtivo, podendo também outorgar esse caráter aos erros de seus alunos.
Silvina dizia: “Papai não tinha um boletim onde anotar ‘Excelente’, ‘Muito bem’, ‘Regular’. “Papai corria ao meu lado”. (Observemos que o pai não pretendia em momento algum que a menina o imitasse, ou que fizesse o mesmo que ele.)
Se a avaliação é pensada como um avaliar pessoas, se é melhor ou pior sua técnica, sempre estará em um terreno frustrante. O avaliar deve ser um acompanhar, um analisar, um pensar, um atender. Um momento de descanso para pensar no que viemos realizando, em como nos sentimos e o que estivemos aprendendo.

O PAPAI ENSINANTE QUE O HOMEM SE ATREVE A MOSTRAR

Não é por acaso que Silvina escolhe como exemplo ou, melhor ainda, como paradigma de uma cena de aprendizagem uma situação na qual quem ensina é seu pai.
Assim como encontramos uma mulher escondida na mãe, encontramos um papai escondido no homem.
Assim como há a uma mulher escondida na professora, o sistema educativo atual, mesmo no início do terceiro milênio, favorece que haja um ensinante escondido no homem.
Quem ensina oferece-se como modelo identificatório. Não se aprende por imitação, querendo fazer o mesmo que o outro faz. Aprende-se querendo parecer-se com quem nos ama e com quem amamos. Precisamos querer parecer- nos com o outro, que esse outro nos aceite como semelhantes, para podermos
desejar diferenciar-nos dele, com menos culpa ou, melhor ainda, podendo elaborar a culpa por diferenciar-nos.
Lamentavelmente, são poucos os ensinantes homens que nossa sociedade oferece. Nesta atual era telemática, isso tende a aumentar, já que as figuras humanas ensinantes que antes podiam apresentar-se às crianças e aos jovens com prestígio de ensinantes (pais, avós) cada vez mais estão perdendo esse caráter em favor das máquinas (TV, computador). A experiência ou “o conhecimento do mundo” que há anos um pai poderia passar a seus filhos hoje é considerada desatualizada. Uma criança conhece mais de  computação que seu pai, um adolescente conhece mais sobre sexo que seu pai.
Quero dizer que assim se posicionam muitos desses pais que, tendo perdido aquele antigo lugar de ensinante, não descobriram ainda um modo diferente de revalorizar o referido lugar.
Por sua vez, na escola, em especial a partir da desqualificação salarial e simbólica do lugar docente, cada vez é menor o número de professores homens que os meninos e as meninas encontram. Mesmo no ensino médio e ainda na universidade, em certas disciplinas, os alunos e as alunas encontram-se majoritariamente com professoras mulheres. Na família, há muito tempo, as funções ensinantes associadas às primeiras aprendizagens (comer, caminhar, falar, controlar os esfíncteres) foram tomadas pelas mulheres, deixando
os homens excluídos da alegria de descobrir-se gestando o próprio filho.
Aqui desejo assinalar três aspectos:
a) a importância subjetiva e produtora de subjetivação desses primeiros vínculos de ensino-aprendizagem entre pais e filhos;
b) a diferença necessária dessas funções ao serem exercidas por um homem ou por uma mulher;
c) a perda, na atualidade, de outras funções ensinantes posteriores, as quais os homens detinham com patogênica exclusividade e que agora perderam, ficando, na maioria dos casos, sem apresentarem-se ao longo de toda a vida de seus filhos como figuras de identificação.

COMO TRABALHA A INTELIGÊNCIA E DE ONDE ELA NASCE?
A inteligência, os mecanismos cognitivos, objetivantes, trabalham sobre a dramática do sujeito com o suporte das significações. Na educação, temos conseguido incluir o tema dos afetos e da participação
da subjetividade na aprendizagem, o qual esteve durante muito tempo esquecido. Poucas pessoas e quase nenhum docente, pedagogo, psicopedagogo ou psicólogo desconhecem que os aspectos emocionais podem interferir de forma negativa nos processos de aprendizagem.
Isso já é uma mudança saudável, um grande avanço. Sem dúvida, considera-se a sua importância quando se busca fundamentar algum problema na aprendizagem, ou quando se realiza a prevenção de tais problemas.
Quando precisamos explicar por que aprendem e como aprendem os que conseguem aprender, freqüentemente estamos esquecendo tal importância e remetendo-nos somente às teorias cognitivistas.
Escutamos, muitas vezes, pais e professores dizerem “Tal menino aprende porque é inteligente”.
Perde-se de vista que, se ele está conseguindo aprender, também é graças à interferência afetiva. Tal como dizia O Pequeno Príncipe: “O essencial é invisível aos olhos”.
Os aspectos de amor e sustentação, ainda que só sejam visíveis quando se colocam como obstáculo, são a condição necessária para que qualquer aprendizagem seja possível. Necessitamos também lhe dar um lugar na própria teoria.
Ninguém aprende a classificar (uma das operações centrais da inteligência) a partir da distinção de objetos por cor, forma ou tamanho, assim como ninguém aprende a seriar (outra das operações da inteligência) ordenando objetos do menor ao maior.
Chega-se a tais classificações e seriações a partir de outras classificações do próprio sujeito no mundo. Isso ocorre à medida que a criança sente-se (porque assim significam para ela seus pais, a escola e a sociedade) pertencente ou incluída em uma classe (sou filho de, sou mulher, sou homem, sou inteligente) e singularizada em sua diferença, como única e distinta; logo, ao mesmo tempo, seriada entre outros nessa pertença. Assim conseguirá facilmente classificar e seriar objetos, duas operações lógicas presentes em toda a aprendizagem, a partir dos seis ou sete anos de idade.

O QUE É INTELIGÊNCIA?

Sabemos que a inteligência não é uma faculdade ou um produto de um bom funcionamento neurológico. Ela se constrói em um espaço relacional. Isso quer dizer que um sujeito constitui-se inteligente em um vínculo com os outros, vínculo este que não é alheio à ética e à estética, pois ética, estética e pensamento entrelaçam-se e condicionam-se.
Atualmente, alguns aspectos de minha concepção sobre a inteligência expostos na obra A inteligência aprisionada merecem ser destacados e ampliados a partir da difusão consumista de teorias enganosas sobre a inteligência, as quais se alinham com o que chamo de “ética do êxito” ou imperativo do êxito.
Em tal ética, o valor fundamental é o triunfo na aquisição e na produção de objetos de consumo, sendo a educação a encarregada de preparar indivíduos exitosos para esse empreeedimento. O caráter principal da aprendizagem, que é sua função subjetivante, fica assim relegado em prol da adaptação.
Em síntese, a transcrição do diálogo entre as meninas permite-nos pensar nas seguintes questões que pretendo de algum modo abordar nesta obra:
a) o modo de operar e a eficácia dos processos de aprendizagem;
b) a participação necessária em toda cena de aprendizagem de, pelo menos, dois personagens: ensinante e aprendente em relação ao objeto a conhecer;
c) a aprendizagem como um processo construtor de autoria do pensamento;
d) o ser humano, para aprender, põe em jogo seu organismo herdado, seu corpo e sua inteligência construídos interacionalmente, e a dimensão inconsciente;
e) o brincar, o jogar e o aprender são gestados no mesmo espaço (espaço transicional, conforme Winnicott), mas são diferentes;
f) a avaliação da aprendizagem;
g) onde nasce a inteligência;
h) a aprendizagem é dramatizada no corpo a partir da experiência de prazer pela autoria;
i) o que convoca e nutre o pensar é a geração de um espaço entre o ensinante e o aprendente que transforme as frias ações e informações em situações pensáveis, as quais possam ser interrogadas, entendidas e modificadas;
j) cada pessoa vai construindo, ao longo de sua história, entrelaçando as experiências que lhe oferece o contexto social e cultural, não só sua inteligência e seus sistemas de conhecimento, mas também uma determinada modalidade de aprendizagem;
l) a aprendizagem é um trabalho de reconstrução e apropriação de conhecimentos a partir da informação trazida por outro e significadas do saber. Essa construção de conhecimento, por sua vez, constrói o
próprio sujeito como pensante e desejante, autor de sua história;
m) a importância da figura masculina como ensinante. Dar passagem à mulher escondida na ensinante só será possível conforme trabalharmos todos, homens e mulheres, para dar passagem ao papai escondido no ensinante e ao ensinante escondido no homem;
n) para bem definir a inteligência, necessitamos falar do vínculo que o sujeito tem com a realidade, e esse vínculo não é de adaptação. Ao contrário, o pensamento, a criatividade e a inteligência supõem movimentos
de desadaptação: “desadaptação criativa”;
o) a inteligência permite ao sujeito sua inserção na realidade e a invenção de outras realidades possíveis.

Aprender é quase tão lindo quanto brincar ...


Aprender é apropriar-se da linguagem; é historiar-se; é recordar o passado, para despertar-se ao futuro. Aprender é reconhecer-se, admitir-se. Crer e criar. Arriscar-se a fazer dos sonhos textos visíveis e possíveis.
Brincando descobre-se a riqueza da linguagem; aprendendo vamos nos apropriando-nos dela.
Alícia Fernandez

Dia do Professor

Processos para elaboração de um Projeto político pedagógico

Para que as finalidades do projeto político-pedagógico sejam alcançadas, alguns processos precisam ser desenvolvidos. Em vários momentos, esses processos se entrecruzam e são dependentes uns dos outros, como se verá a seguir. Antes, é necessário que fique claro que não há uma única forma de se construir um projeto, devido às singularidades de cada unidade escolar.

O processo de participação
A importância da participação vem sendo ressaltada por todos que defendem uma gestão democrática. No entanto, embora nenhum segmento tenha uma importância menor que a do outro nesse trabalho coletivo, é importante definir, com clareza, as responsabilidades que cada um deve assumir, considerando a existência de funções e níveis hierárquicos diferenciados dentro da escola. Ou seja, todos devem ter o seu espaço de participação, mas não se deve confundir o espaço das atribuições, ultrapassando os limites de competência de cada um:
  • Direção, professores e profissionais de suporte pedagógico são os responsáveis diretos pela mobilização da escola e da comunidade para a construção da proposta. Além disso, cabe-lhes a tomada de decisões sobre conteúdos, métodos de ensino e carga horária das disciplinas do currículo.
  • Os alunos são fontes de informação das suas necessidades de aprendizagem, que se vão constituir no núcleo das preocupações da escola. São eles, de fato, o alvo de todo esse esforço.
  • O trabalho dos funcionários, por se realizar em uma escola, tem uma dimensão pedagógica que é muito pouco reconhecida, até por eles próprios. As relações que eles estabelecem com os alunos e com os pais poderiam ser exploradas na direção da formação da cidadania.
Os pais e a comunidade devem participar efetivamente das decisões sobre o orçamento e a utilização dos recursos financeiros que a escola recebe. Além disso, os pais [1] devem participar das discussões sobre as características do cidadão que se quer formar, sobre o uso do espaço e do tempo escolar e sobre as formas de organização do ensino que a escola deve adotar.




[1] Essa participação pode propiciar aos pais uma melhor compreensão do trabalho escolar e fornecer subsídios para que eles acompanhem e estimulem seus filhos na consecução das tarefas escolares. Por outro lado, essa participação traz, para o interior da escola, de forma mais explícita, as questões partidárias e grupais que existem na comunidade. Aqui a negociação é fundamental. O desafio é aprender a viver em democracia. O Conselho Escolar é o canal institucional da participação dos pais. Entretanto, é preciso construir parcerias com o maior número possível de pais e de lideranças da comunidade, ultrapassando, assim, o formalmente estabelecido. Ainda que as famílias usuárias da escola pública tenham pouca formação escolar, é preciso acreditar que elas podem influir significativamente nas escolas.

O processo de mobilização
Para que o projeto político-pedagógico seja, de fato, um instrumento de melhoria de qualidade da escola, ele precisa ser construído coletivamente, com responsabilidade e compromisso, a partir de um processo contínuo de mobilização que envolve elaboração, execução, acompanhamento, avaliação e reelaboração.
Uma das mais importantes tarefas da equipe gestora é encontrar pontos de partida para atingir um nível esperado de mobilização, pois, durante o processo, muitas lideranças vão emergir, provocando novas adesões. O papel do Conselho Escolar nesse trabalho de mobilização [1] é fundamental, já que ele congrega os representantes dos diversos segmentos da escola. No entanto, é sempre desejável que a participação da comunidade seja ampliada com a presença de outras pessoas, além daquelas que já fazem parte do Conselho.
Essa mobilização é indispensável, sob pena de não se conseguir construir a proposta de uma forma democrática, legitimada por aqueles que fazem da escola um espaço vivo e atuante.



[1] Considerando que o concreto da escola é dinâmico, complexo e multi-determinado, esses processos se entrecruzam o tempo todo, de forma que certas atividades realizadas com uma determinada finalidade podem produzir resultados estimuladores de outras atividades. Por exemplo, se a escola se reúne, juntamente com a comunidade, para identificar seus problemas e levantar possíveis soluções, isso pode transformar-se tanto no diagnóstico da situação escolar quanto em um processo de mobilização e comprometimento de todos na elaboração da proposta. Assim, o próprio processo de diagnóstico pode ser um processo de mobilização, o que mostra que as atividades não são estanques, mas estão interligadas e são interdependentes.

O processo de negociação
É preciso compreender que, nas sociedades humanas, nenhum processo se faz de forma linear e harmônica e, portanto, a negociação se torna um elemento central na realização de qualquer trabalho que envolva a coletividade. A participação democrática, condição essencial de formação do cidadão, supõe a presença de conflitos. O próprio exercício da participação abre espaço para a emergência desses conflitos. É impossível evitar tais situações, porque elas existem de fato e revelam a variedade de concepções que norteiam as ações pessoais. É necessário, pois, reconhecer a existência de tensões ou conflitos entre as necessidades individuais e os objetivos da instituição e compreender a sua natureza, de modo a capitalizar as divergências em favor de um objetivo maior.
É aqui que entra o papel da negociação. Saber negociar significa dar lugar ao debate, à expressão das várias necessidades e das diferenças, produzindo um ambiente do qual resulte a assunção coletiva dos conflitos e dos problemas, a cooperação voluntária no trabalho em equipe, a repartição mais igualitária do poder e dos recursos.
Assim, a autonomia da escola não é, isoladamente, a autonomia dos gestores ou a dos professores ou a dos alunos ou a dos pais. Ela é resultante da confluência de várias formas de pensamento e de interesses diversos que é preciso saber gerir, integrar e negociar. O projeto político-pedagógico, portanto, vai significar uma síntese desses diversos interesses e tem como propósito dar um sentido coletivo às autonomias individuais.

Qual a finalidade do Projeto Político pedagógico?

projeto político-pedagógico orienta a prática de produzir uma realidade. Para isso, é preciso primeiro conhecer essa realidade. Em seguida reflete-se sobre ela, para só depois planejar as ações para a construção da realidade desejada. É imprescindível que, nessas ações, estejam contempladas as metodologias mais adequadas para atender às necessidades sociais e individuais dos educandos.
Em síntese, suas finalidades são:
  •  Estabelecer diretrizes básicas de organização e funcionamento da escola, integradas às normas comuns do sistema nacional e do sistema ou rede ao qual ela pertence.
  • Reconhecer e expressar a identidade da escola de acordo com sua realidade, características próprias e necessidades locais.
  • Definir coletivamente objetivos e metas comuns à escola como um todo.
  • Possibilitar ao coletivo escolar a tomada de consciência dos principais problemas da escola e das possibilidades de solução, definindo as responsabilidades coletivas e pessoais.
  • Estimular o sentido de responsabilidade e de comprometimento da escola na direção do seu próprio crescimento.
  • Definir o conteúdo do trabalho escolar, tendo em vista as Diretrizes Curriculares Nacionais para ensino, os Parâmetros Curriculares Nacionais, os princípios orientadores da Secretaria de Educação, a realidade da escola e as características do cidadão que se quer formar.
  • Dar unidade ao processo de ensino, integrando as ações desenvolvidas seja na sala de aula ou na escola como um todo, seja em suas relações com a comunidade.
  • Estabelecer princípios orientadores do trabalho do coletivo da escola.
  • Criar parâmetros de acompanhamento e de avaliação do trabalho escolar.
  • Definir, de forma racional, os recursos necessários ao desenvolvimento da proposta.
A partir dessas finalidades, é preciso destacar que o projeto político-pedagógico extrapola a dimensão pedagógica, englobando também a gestão financeira e administrativa, ou seja, os recursos necessários à sua implementação e as formas de gerenciamento.
 Em suma: construir o projeto político-pedagógico significa enfrentar o desafio da transformação global da escola, tanto na dimensão pedagógica, administrativa, como na sua dimensão política.

Qual o significado e a importância do Projeto Político-Pedagógico da Escola





“Os analfabetos do século XXI não serão os que não sabem ler e escrever, mas os que não sabem aprender, desaprender e reapreender”                Alvin Toffler, autor de Future Shock

Um projeto político-pedagógico voltado para construir e assegurar a gestão democrática se caracteriza por sua elaboração coletiva e não se constitui em um agrupamento de projetos individuais, ou em um plano apenas construído dentro de normas técnicas para ser apresentado às autoridades superiores.
Segundo Libâneo (2004), projeto político-pedagógico é o documento que detalha objetivos, diretrizes e ações do processo educativo a ser desenvolvido na escola, expressando a síntese das exigências sociais e legais do sistema de ensino e os propósitos e expectativas da comunidade escolar.
Na verdade, o projeto político-pedagógico é a expressão da cultura da escola com sua (re) criação e desenvolvimento, pois expressa a cultura da escola, impregnada de crenças, valores, significados, modos de pensar e agir das pessoas que participaram da sua elaboração.